2 de dez. de 2014

A teologia holandesa é arrojada, afirma N. T. (Tom) Wright

A teologia holandesa é arrojada[i] , afirma N. T. (Tom) Wright



[i] Audaz, atrevida, arrojada, minuciosa, meticulosa, resoluta, corajosa, firme todas estas seriam traduções possíveis da palavra “doortastend” que o autor usa em holandês. Depende de qual palavra inglesa Wright usou originalmente para saber qual seria a tradução mais correta. Usei a que me parece mais exata quanto a palavra holandesa, que é de difícil tradução. 

O teólogo inglês N.T. (Tom) Wright vem à Holanda, no final de outubro. Ele é Anglicano, mas mostra ter uma afinidade surpreendente com a tradição reformada holandesa. Como prévia da conferência em Kampen, no dia 31 de outubro: uma conversa com Wright sobre suas irritações dogmáticas, sua visão a respeito da teologia bíblica e sua paixão por alcançar “o crente comum”.

Original por Tjerk de Reus e Hans Burger
Tradução: Tijs van den Brink
Revisão: Daniel de Lima Vieira


Por quatro dias o estudioso do Novo Testamento Tom Wright (1948) estará na Holanda no final desse mês. Primeiro será o palestrante principal de um congresso na Universidade de Groningen, depois visitara a Universidade Teológica de Kampen. Wright está ansioso, diz, pois ele entende que a teologia holandesa o “formou”, e a considera “extraordinária”. Essa parece uma afirmação educada, patente dos nossos vizinhos britânicos, mas em Wright parece um sentimento honesto de dívida (n. t. Para com a teologia holandesa). E realmente há temas comuns, que facilmente conectam os reformados e os neocalvinistas à teologia de Wright, na qual a ênfase está no pacto e na história da redenção, no significado concreto da cruz e da ressurreição, e na chegada real (n. t. efetiva) do novo mundo de Deus.

Wright é professor na St. Mary”s College, a faculdade teológica da Universidade de St. Andrews. Ele aceitou esse posto depois de sua despedida como bispo de Durham. Essa decisão teve tudo a ver com o seu quarto grande livro acadêmico da série Christian Origins and the Question of God (Origens Cristãs e a Questão de Deus). O livro se chama Paul and the Faithfulness of God (Paulo e a Fidelidade de Deus), e contém nada menos que 1650 páginas, e parece coroar o fascínio que Wright teve por toda a vida por Paulo. "Tive muito prazer trabalhando com esse livro," conta, "mas me custou mais tempo do que eu esperava. Comecei-o em um ano sabático em 2009. Em janeiro de 2010 voltei a Durham, onde era bispo. Logo ficou claro que eu não poderia terminar o livro se continuasse em Durham. Foi uma decisão difícil, mas escolhi aceitar o convite de St. Andrews para lecionar. Quando estava aqui ainda tinha que terminar diversos outros livros, como a série A Bíblia para Todos (n. t. Uma serie de comentários bíblicos). Também escrevi, a pedido da minha editora o livro Simplesmente Jesus (Simply Jesus: A new vision of who he was, what he did and why he matters) e em minha mente cresceu o conceito para Como Deus se tornou Rei (How God became King: The Forgotten Story of the Gospels). Enquanto isso meu editor ainda me pediu se podia desenvolver um livro a respeito dos Salmos a partir de uma palestra que tinha dado. Ele disse, pegue a palestra como estrutura básica e cada vez que abordar um Salmo você amplia um pouco – e eis que há um livro. Então acabei por fazê-lo em The Case for the Psalms (O Caso dos Salmos ou Em favor dos Salmos). Assim, fiquei bastante aliviado quando ano passado o grande livro a respeito de Paulo foi publicado."

Público Amplo

Trabalhar em todos esses projetos diferentes parece jogar diversas partidas de xadrez ao mesmo tempo. O público alvo de Wright também varia bastante. Mas isso o relaxa, diz, com um senso de ironia: “Esses livros científicos muito amplos me custam muitas gotas de suor. Entre estes escrevo os livros curtos e populares, e gosto muito disso. Eu gosto muito de escrever e esses livros para um público mais amplo não me custam tempo demais, muitas vezes é uma série de palestras, e entre estas apenas adiciono ordem e estrutura.
Obviamente relaxar não é a única motivação de Wright. Ele busca conscientemente o contato com o público amplo nos seus livros populares. Essa é uma característica marcante das ocupações de Wright, pois são poucos os seus colegas que conseguiriam fazer o mesmo. “É verdade, e na verdade isso é uma vergonha,” diz Wright. “Na minha carreira sempre andei nesses dois caminhos. Eu trabalhava na esfera acadêmica, mas também estava ativo como pastor, bispo e pregador. Isso se tornou incomum nas esferas cientificas atuais. O estudo do Novo Testamento tornou-se altamente especializado, e assim atrai pessoas que gostam de se ater a detalhes. Mas você deve ousar dar o passo para o público amplo que não quer saber apenas dos detalhes, mas são mais interessados no quadro maior, mais amplo. E é evidente que se deve fazer isso sem termos complicados. Quanto a isso, minha família, enquanto eu crescia, me ensinou uma lição útil. As crianças me faziam perguntas, e quando eu trazia termos carregados, diziam: “Papai, fale normal!” A partir dessa lição de humildade vieram os meus livros Simplesmente Jesus e Simplesmente Cristão. E devo dizer que escrever esse tipo de livros me dá muito prazer.”

Herman Dooyeweerd

Wright enfatiza que frequentemente suas ideias teológicas são renovadoras, ou pelo menos surpreendentes. Mas ele também tem as suas fontes, por exemplo os grandes pensadores aos quais se sente em dívida. Em uma entrevista para a revista holandesa Wapenveld, Wright cita o nome do filósofo reformado Herman Dooyeweerd (1894-1977), que concebeu uma cosmovisão filosófica ampla – a Wijsbegeerte der Wetsidee (N. T. Filosofia da Ideia Cosmonômica) -- na qual ele aborda o todo da realidade, da escola e hospital à economia e ao sacramento. Wright ficou impressionado com a abordagem Dooyeweerdiana. “Herman Dooyeweerd foi importante para mim,” conta, “apesar de não ter feito um estudo rigoroso de sua obra. Suas ideias me alcançaram através de um bom amigo, Brian Walsh , que foi muito influenciado por Dooyeweerd. No começo da década de 90 demos uma série de palestras juntos em Oxford, na qual deveríamos abordar uma serie de tópicos, de Novo Testamento a Ética, de forma coerente e uniforme. Eu estava na fase preparatória dos volumosos livros acadêmicos a respeito do Novo Testamento, dos quais The New Testament and the People of God (1992) (n.t. O Novo Testamento e o Povo de Deus) seria o primeiro. Não há dúvida de que devo às conversas com Brian Walsh a percepção de que o Reino abrangente de Deus se conecta com a esperança messiânica do Antigo Testamento, e evidentemente com a maneira como tudo isso foi abordado em Jesus."

Kuyper

Brian Walsh desafiou Wright a pensar diferente do que este estava acostumado. “Não no sentido de “dai a Deus o que é de Deus e ao imperador o que pertence ao imperador” – que seriam compartimentos separados – mas deliberadamente abordar uma profunda conexão entre igreja e mundo. Dooyeweerd queria integrar todas os aspectos da vida sob o ponto de vista da vitória de Cristo. Ele estava convencido, assim como C.S. Lewis, que cada centímetro quadrado e cada segundo é reivindicado por Deus – e também por Satanás. Essa visão não me era totalmente estranha, estava presente de forma embrionária, mas eu nunca tinha pensado a respeito nessa profundidade.  Agora eu tinha que fazê-lo por causa do fascínio do meu amigo por Dooyeweerd. E devo dizer que comecei admirar a consciência intelectual dos pensadores cristãos holandeses – entre os quais evidentemente também devo citar Kuyper aqui! Era muito diferente do que estava acostumado da forma mimada e doce dos ingleses pensarem. Não que não conhecesse pensadores sérios e minuciosos na Inglaterra, mas a meticulosidade dos pensadores holandeses causou uma mudança em mim.”

Historiografia e Teologia

Parece que o senhor conscientemente escolhe ser historiador, por exemplo com o seu modelo de cosmovisão (worldview-model). O senhor não se profila como alguém que escreve Teologia Bíblica.
A questão de Deus é uma questão teológica, não há escapatória, nem se  mantivermos uma perspectiva historiográfica. Para mim essa separação não existe de forma alguma. Alguns colegas me acusam de teologia bíblica, que entendem ser um empreendimento tolo e do século 19. O que eu proponho é: entremos no mundo do Judaísmo do Segundo Templo e então tentemos entender o que importava para a primeira geração de cristãos. Quando se faz isso, muitas coisas se encaixam. Nós mantemos tantos anacronismos no Cristianismo atual, desde como explicamos as parábolas a como entendemos Paulo. Mas tudo entra na perspectiva correta quando se começa a ver como o Judaísmo do Segundo Templo funciona. Você realmente tem aqueles momentos de: “Agora sim!” É a partir dessa perspectiva que tento pensar consequentemente Paulo no contexto da época. Assim sua pesquisa resulta em respostas históricas e teológicas. O que se ouve dos cristãos do primeiro século trata de “encarnação”, sobre a questão de quem Deus é, qual é o significado de Jesus no quadro geral das expectativas messiânicas. Enquanto pesquisador sempre tentei viver com essa tensão (n.t. No sentido positivo, emoção, empolgação, ansiedade, anseio), pesquisando a história e a teologia em conjunto. Minhas publicações podem assim serem classificadas como historiográficas, teológicas, ou até mesmo missiológicas.”

Construto teológico

Geralmente se mantêm as disciplinas separadas. Qual o argumento mais importante para se relacionar mais a teologia bíblica com a historiografia?
Os textos do Novo Testamento que na história de Jesus Cristo se trata da presença direta de Deus. Isso se dá na história real, essa é a convicção deles. E é exatamente essa afirmação que por muito tempo foi considerada anátema por estudiosos do Novo Testametno. Considerava-se que era mais aceitável presumir que os evangelistas não tinham a pretensão de descreverem a história de forma realista. Para eles tratar-se-ia de um belo construto teológico que tinha importância para eles. Mas quando lemos Josefo, ou outros escritores Greco-Romanos, percebemos que eles escrevem de forma consciente sobre as coisas que aconteciam na época. E é dessa forma que se leem os evangelhos de forma natural. Isso não é inocente, mas baseia-se na forma séria dos judeus da época lerem.”

Aconteceu de verdade

Em How God Became King, 2012 (Como Deus se tornou Rei), Wright argumenta que o tipo de histórias que os evangelhos contam, tratam de Deus o Criador e seu mundo. Nesse livro, ele afirma que os evangelhos tratam da realidade concreta, na qual se realiza uma ação divina. Wright: “Historicamente não faz sentido dizer que os evangelistas queriam enfatizar uma espiritualidade platônica, um significado religioso que estaria fora da realidade concreta! É exatamente isso que eles não têm em vista. O que Marcos, Lucas e os outros afirmam poderia ser ficção, no sentido de não estar de acordo com os fatos – mas essa é uma discussão completamente diferente. Mas eles estão convencidos de que a grande história das escrituras alcançou o seu clímax histórico na vinda do Messias Jesus. O fator esquecido, que poderia ter levado a interpretação ao caminho correto, é a expectativa dos profetas do período do Segundo Templo de que o Deus de Israel realmente retornaria. Deus prometeu que voltaria – mas ninguém sabe quando! Também não está claro como será ou o que acontecerá. O retorno de Deus poderia ser assustador, ou talvez empolgante. Mas esse é o assunto, que na percepção dos evangelistas Jesus assumiu o reinado de Deus. Eles contam com a convicção de que foi assim que aconteceu, assim Deus tornou-se rei.”

Irritações

 O senhor se mostra irritado quanto a alguns pontos de vista teológicos. Quais as suas principais irritações dogmáticas?
A forma como as pessoas reivindicam uma cristologia ortodoxa muitas vezes me causa certa resistência. Você deve pensar X ou Y a respeito de Jesus, e se não o fizer você está fora do barco. Geralmente é a reinvindicação de que Jesus é Deus. As pessoas presumem que o Jesus humano poderia sem problemas lembrar-se de como era quando Ele ainda estava com o Pai, antes de encarnar. Eu acho essa abordagem problemática, porque forca padrões racionalistas à explicação das Escrituras. Parece que as pessoas querem subscrever uma fé trinitária ortodoxa a qualquer custo, sem sondarem a profundidade da mesma. Dá para ouvi-las dizerem: “com certeza, Jesus era Deus! Eu subscrevo a isso, portanto estou tranquilo”. Mas a verdade é que se trata do que esse Deus encarnado faz! E o que fará. Se você o limita a “Ele morreu pelos nossos pecados e vai me levar ao céu”, você está perdendo o ponto central dos 4 evangelhos. De acordo com os evangelhos, Jesus se torna o encarregado. O próprio Deus está à frente de tudo em Cristo, e isso significa que algo acontecerá."

Combinação    

"A maioria dos cristãos nem para para pensar nisso. Talvez na Holanda seja diferente, assim como com seus “parentes” calvinistas em Grand Rapids! Quando eu dei uma palestra no Calvin College sobre How God Became King, James K. A. Smith me disse: “Você diz que nós nos esquecemos disso mas nas nossas aulas o reino de Deus e o seu significado concreto são sempre um ponto central!” Na verdade, suspeito que a teologia holandesa seja uma exceção. Dei incontáveis palestras e preleções em outras partes da Europa e dos EUA. Especialmente nos EUA as pessoas dizem: “Nunca ouvimos isso antes!” E quando digo que presumo que muitos pastores se limitam à mensagem de que Jesus se tornou Deus somente para nos perdoar e levar ao céu – ouço pessoas dizendo: “é isso que sempre ouvimos!” Parece que há pouca percepção da atualidade do Reino de Deus, que, de acordo com Jesus, vem “na terra como no céu”. Quando você expande para isso as pessoas rapidamente passam a achar que você está trocando o evangelho da redenção e perdão por um evangelho de melhoras sociais. Mas é claro que essa é uma conclusão precoce.  Nos evangelhos encontramos a combinação incomum de Reino e Cruz.  Os dois, na verdade, andam juntos apesar de a teologia ocidental ter muita dificuldade em mantê-los juntos. As pessoas parecem entender que tudo era um sucesso na missão de Jesus, até que algo deu errado e Ele acabou na cruz. Com isso parece que um plano B entrou em ação quando sua missão original foi por água abaixo – e o que sobra é apenas uma morte isolada que nos salva dos nossos pecados."

Solto da cruz

A questão central então é: “como os dois se combinam? Como conectar a sua atuação e sua pregação, suas curas, seu envolvimento critico nas relações sociais – e por outro lado sua terrível morte e gloriosa ressurreição?” Simplesmente não se levanta essa questão o bastante. E como consequência disso se deslizou para uma teologia da cruz, de tons pietistas, na qual tudo é a respeito da morte salvífica de Jesus, a salvação da minha alma. Do outro lado do espectro deslizaram para uma forma de horizontalismo social no qual o reino se soltou da cruz. Mas no grande capítulo da ressurreição – 1 Coríntios 15 – Paulo escreve que a morte de Jesus resulta em seu reinado concreto, “até que tenha colocado todos os inimigos debaixo de seus pés”. Nesse sentido o Reino de Deus é uma realidade presente e atual. O Reino evidentemente ainda não é o reino de paz na qual resultará quando Deus for “tudo em todos” e a morte for definitivamente derrotada. Mas a partir da ressurreição de Cristo o mundo mudou definitivamente e Deus ativamente dá forma ao Seu novo mundo.”

Quebra cabeça

As irritações dogmáticas de Wright se voltam principalmente ao abismo entre algumas construções dogmáticas e o testemunho dos escritores do Novo Testamento. Muitos evangélicos na Inglaterra e nos EUA se satisfazem com os lugares-comuns dogmáticos, observa Wright. “Enquanto você disser que Jesus é Deus – você está tranquilo. Se subscrever: Jesus morreu no meu lugar – daí está ótimo! É certo que tais afirmações contêm elementos verdadeiros. Mas é como montar um quebra-cabeça com as peças nos lugares errados. Você pode até usar todas as peças, mas como não se encaixam o quadro geral fica deformado. Se olhar bem, a imagem não convence. Esse também é o problema das grandes confissões (n.t. De fé): O reino (quase) não é citado. No Credo de Nicéia você só tem alguma coisa a respeito do Reino lá no final. Então as pessoas pensam: “Ah, então isso ainda virá!” Em How God became King sou crítico quanto a essa omissão e sua estrutura teológica, mas não advogo a favor da abolição das grandes confissões. O que é importante é que as compreendamos de uma maneira nova: a partir do testemunho dos evangelistas e dos escritores do Novo Testamento.

Fonte: http://tukampen.afasonline.com/nieuwsbericht/nederlandse-theologie-doortastend-stelt-n-t-tom-wright   


2 comentários:

  1. O livro de Brian Walsh publicado no Brasil é "Visão Tranformadora": http://www.editoraculturacrista.com.br/loja/livro/visao-transformadora-a-marcia-barbutti-1393

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    1. Isso mesmo, acho que a nota de roda pe se perdeu quando transferi pro blog. Obrigado pelo lembrete Daniel!

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"Todo aquele que ler estas explanações, quando tiver certeza do que afirmo, caminhe lado a lado comigo; quando duvidar como eu, investigue comigo; quando reconhecer que foi seu o erro, venha ter comigo; se o erro for meu, chame minha atenção. Assim haveremos de palmilhar juntos o caminho da caridade em direção àquele de quem está dito: Buscai sempre a Sua face."

Agostinho de Hipona